8.12.2007

Toda carta tem endereçamento, mesmo que se perca *

“O que você viveu ninguém rouba”
Gabriel Garcia Márquez - Memórias de minhas putas tristes


I

“Ontem à noite eu conheci uma guria, que eu já conhecia
de outros carnavais, com outras fantasias
ela apareceu, parecia tão sozinha
parecia que era minha aquela solidão”
Piano Bar

“Então, neste momento, compreendeu com espanto que não estava infeliz. A presença física de Sabrina contava muito menos do que pensava. O que contava era o traço dourado, o traço mágico que ela havia imprimido em sua vida e que ninguém poderia tirar.” Milan Kundera em “A insustentável leveza do ser” conseguiu, mesmo sem querer – e é a tal linguagem / escrita que nos permite compartilhar isso - chegar o mais próximo do ela representou em minha vida e que busquei nesses últimos dias. Não importa que não foi nem uma semana daquela vez, e que na outra não chegou a doze horas, tão pouco a um beijo, nem durante, nem após um filme em que realmente não temos vontade de beijar. Alguma coisa se dá entre nós no nível do indizível, e ele falou em meio a uma das melhores aulas da faculdade (daquela que vale o semestre) que naquilo que não conseguimos explicar está realmente o que importa. Como o fruto Cacau que tem gosto indefectível, é forte e até amargo, mas tem potencial de ser matéria-prima de toda doçura.

II

“Hoje os ventos do destino. Começaram a soprar
Nosso tempo de menino. Foi ficando para trás
Com a força de um moinho. Que trabalha devagar
Vai buscar o teu caminho. Nunca olha para trás”
Depois de nós

Num desses dias em que ando em uma rua qualquer do Bom Fim ouvindo música, totalmente alheio aos outros transeuntes, reconheci um deles de longe que vinha em minha direção. Uma ex-colega minha de colégio, da mesma turma, colega de anos, talvez de todos os dez anos que passei naquela escola. Não era dos meus melhores amigos, mas tão pouco nutria em relação a ela qualquer sentimento ruim. Percebendo que ela não havia me notado, instintivamente, atravessei a rua e saí de seu caminho. Continuei absorto na canção e nos pensamentos que ela me despertava. Lembro-me que não chorei quando me formei no colégio, tinha certeza que aquilo estava acabado.

III
“Mas, hey mãe!Alguma coisa ficou pra trás
Antigamente eu sabia exatamente o que fazer”
Terra de Gigantes

Como os autores das três músicas acima ele também começou Engenheiro e virou poeta. Largou a precisão do cálculo, a alienação da matemática pura, e a certeza da mecânica. Simplesmente parou de fingir que poderia viver a vida do homem sensato, ouviu suas inquietações, e resolveu jogar sério, subjetivamente, e colocar o dedo em várias feridas, com sal do suor e um pouco de álcool (que invés de piorar ameniza). É incrível como os anos de um curso que ninguém faz para ficar rico faz com as pessoas. Queria guardar essa frase para o caso de eu chamá-lo na formatura, mas eu seria um cerimonioso, como tentamos há algum tempo não ser: Ele é a pessoa que certamente mais aproveitou a potência transformadora da nossa faculdade de Psicologia.

Às vezes recai, porque não é possível ou necessário se livrar de certos hábitos, e então fazendo graça - mais uma coisa que aprendeu nestes loucos anos - ou não, reclama por estar velho com VINTE E SEIS ANOS (!) como se não tivesse feito mais por sua honestidade que muitas pessoas que morrem de velhice.

*Escrito para o Alemão que a mundo conheceu nos últimos anos e a menina que só eu conheci