12.25.2008

Adéu

"En verdad, en verdad os digo que si el grano de trigo que cae en la tierra no muere, queda solo, pero si muere produce mucho fruto.”

Evangélio de San Juan 12:24 – Lápide de Fiódor Dostoyevski

Barcelona 26 de setembro de 2008

Caro amigo, é com pesar que despeço-me. Tentei prolongar ao máximo nossa despedida, mas certas coisas- quase todas na vida, das de verdade - têm um tempo imperativo. Que nos atropela, nos ignora como se não dependesse exclusivamente de nós mesmos. É bruta a honestidade.

Em um mês e meio aqui, esteves comigo em mais da metade do tempo, depois de um início em que nossos olhares apenas se cruzavam, preenchido por tarefas chegaste ao meu lado… quando um vazio novo tentava me invadir, e quanto tempo vazio me impediste de ter!

Intenso, doentio até, o jeito como nos unimos, desesperadamente em nossa solidão. Solidão de idéias, de teorias, pois nunca estivemos realmente sós, sabemos, apesar de nossa teimosa mania de querer resolver tudo a sós, pensarmos que somos especiais.. “Ah, há tantos piolhos nesse mundo!”

Compartimos quartos alugados, apertados, de poucos móveis e pouca luz, mas na verdade tão pouco ligamos para isso. ¿Ou será que isso no fundo não modificou nossos destinos?

Dividimos aflições monetárias, tentamos encobri-las de nossas zelosas famílias, e pensamos em soluções desesperadas para isso. Não é fácil, estudante e morador em uma cidade de passagem tantos mujiques, asiáticos. Tendo que ver nosso intelecto, bagagem cultural criação, serem encolhidos e ignorados por uma sociedade que nos trata como mais um piolho, E NAO SOMOS PIOLHOS!

Ademais disso, nossos comportamentos sorumbáticos (este aprendi contigo), pensativos e obscuros, temos diferenças. Escolhemos e trilhamos caminhos diferentes. Mas ao fim ao cabo de tudo tivemos o que queríamos, experiências. Pagamos pelo que pedimos – mesmo sem saber que o que viria seria tão forte.

Obrigado por estar comigo nessa época inolvidable de nossas vidas. Rodion Romanovich Raskolnikov. Foi uma belíssima e acertada decisão te trazer comigo Rodya....agora e para sempre

3.04.2008

“Culpa tem remédio doutor?”*

"Toda folha elege um alguém que mora logo ao lado"
Los Hermanos - Todo Carnaval Tem seu Fim

Médicos me assustam, assustam mesmo. Com aquelas roupas brancas, letra ilegível e seu pragmatismo.. principalmente o pragmatismo. Você já conversou com um médico? Dá inveja! Palavras nos lugares certos, cirurgicamente colocadas, organizadas como o quarto de um bebê que ainda não nasceu. Explicações lógicas e elucidativas.. com exceção de quando falam de VIROSE – virose é la madre que los parió, a abrangência do conceito de virose é maior que a muralha da China e se assemelha à expressão popular “Saco de gato” ou “ônibus em dia de passe livre”.

Tá mas e o pragmatismo? Talvez seja a mais científica forma de defesa. Serve ou não serve, útil e racional (aliás os portugueses foram muito pragmáticos quando vieram aqui dar umas bandas 500 e picos anos atrás). O pragmatismo nos leva a um engessamento (mesmo que não haja fratura) das coisas, das palavras e das coisas. Quando se é pragmático se é claro e assertivo, não é possível a dúvida e não existe a discussão. Equação simples: sem dúvida = sem vazio = sem angústia. Mas se ela aparecer Fluoxetina vitamina C e cama,

Claro, eu quero um médico pragmático. Ainda mais se for ele quem for foracluir fatiar fazer incisão em meu pai. Afinal, eles cortam a carne, dão remédio, tocam/trocam órgãos – que não são aqueles pretos que tua prima toca “Noite feliz” todo ano no Natal para alegria das tias gordas. Melhor que seja sem titubeio, sem emoção, só técnica. Imagina o cara com o presunto paciente lá aberto na frente dele e o doutor resolve se deslumbrar com a maravilha da existência, com aquela infinidade de sistemas, canais, com o fato dele estar tocando simplesmente na vida! Na vida cara! Já viu: Piiiiiiiiiiiiiiii ... game over.

Daí penso na psicanálise, na poesia e na psicanálise. Bem, “nosotros no trabajamos con el cuerpo, sólo trabajamos con la palabra”. Com as possibilidades de resignificação. Uma palavra podendo ser muitas coisas, e a poesia é a máxima pluralidade da palavra. Metáforas, possibilidades infinitas, liberdade infinita, vazio de não-saber infinito.. angústia infinita.. desassossego.

Então se chega àquilo para que não existe fórmula ou prescrição.. aquilo não pode ser explicado universalmente senão no individual. Por exemplo: O que é mãe para você? Para você Índio, japonês, indiano, chinês, italiano, vizinho?

Para tratar do corpo é preciso treinar no corpo, conhecer o corpo, replicar no corpo, cortar, costurar e substituir no corpo, qualquer corpo, um corpo, todos os corpos, todos iguais, todos ambulância do doutor sara-tudo. Para trabalhar com a alma (troque essa palavra por qualquer outra que possa lhe dar o sentido de antítese do que trago como corpo-material) há de se escutar a alma, aquela alma, saber da perplexidade da alma, da “refratariedade” da alma, Daquela alma, não sujeito (sujeito a ser tratada) e sim individuo, individual, única, que só ela sabe do que sofre. Então só ela pode contar disso, transmitir isso, esse Isso. Só contando, transmitindo, pode se aliviar do peso de ser ela, e assim dividir, esvaziar, compartilhar e novamente se sentir apta a andar menos “ensimesmada”. Reconhecer seu peso, e talvez de outros, dentro da leveza do mundo. Insustentável leveza.

Mas psicólogos têm corpo e médicos têm alma.



*Pexera, indagando Drauzio em (Estação) Carandiru