9.01.2010

sobre o persistente silêncio da escrita não realizada

"De repente estou só no mundo. Vejo tudo isto do alto de um telhado espiritual.
Estou só no mundo. Ver é estar distante. Ver claro é parar. Analisar é ser estrangeiro.
Toda a gente passa sem roçar por mim. Tenho só ar à minha volta.
Sinto-me tão isolado que sinto a distância entre mim e o meu fato.
Sou uma criança, com uma palmatória mal acesa, que atravessa, de camisa de noite, uma grande casa deserta.
Vivem sombras que me cercam - só sombras, filhas dos móveis hirtos e da luz que me acompanha.
Elas me rondam aqui ao sol, mas são gente".
Bernardo Soares (Fernando Pessoa) - Livro do Desassossego

Entre Port Vell e Porto Alegre

Flutuando entre os portos eu cada vez que volto ao Alegre morro um pouco, mato um pouco de quem eu era, e outro pouco do que pensava que poderia ser, mato aquele que não vai voltar. Mas a cada tempo longo aqui no Velho, cada e-mail nao escrito, cada texto não terminado, ligações não recebidas, morro um pouco novamente. Mato aquele que eu pensei estar crescendo, aquele uns imaginam que existe do outro lado do mar, aquele que tem saudades.
Menos mal que “noves fora” entre isso tudo há um tempo, tempo em que eu vivo, tempo que eu creço, tempo que eu ganho, que eu ganho vida, que se acumula, soma, iguala e multiplica, para que eu possa me subtrair, perder-me de pouco um pouco, em cada uma das minhas pequenas mortes.

Ficar velho não é nada mais que aproximar-se da morte e ao mesmo tempo certificar-se que esta conseguindo se manter distante dela.