9.08.2007

Jump

Ismália - Alphonsus de Guimarães

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava perto do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,

Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

8.12.2007

Toda carta tem endereçamento, mesmo que se perca *

“O que você viveu ninguém rouba”
Gabriel Garcia Márquez - Memórias de minhas putas tristes


I

“Ontem à noite eu conheci uma guria, que eu já conhecia
de outros carnavais, com outras fantasias
ela apareceu, parecia tão sozinha
parecia que era minha aquela solidão”
Piano Bar

“Então, neste momento, compreendeu com espanto que não estava infeliz. A presença física de Sabrina contava muito menos do que pensava. O que contava era o traço dourado, o traço mágico que ela havia imprimido em sua vida e que ninguém poderia tirar.” Milan Kundera em “A insustentável leveza do ser” conseguiu, mesmo sem querer – e é a tal linguagem / escrita que nos permite compartilhar isso - chegar o mais próximo do ela representou em minha vida e que busquei nesses últimos dias. Não importa que não foi nem uma semana daquela vez, e que na outra não chegou a doze horas, tão pouco a um beijo, nem durante, nem após um filme em que realmente não temos vontade de beijar. Alguma coisa se dá entre nós no nível do indizível, e ele falou em meio a uma das melhores aulas da faculdade (daquela que vale o semestre) que naquilo que não conseguimos explicar está realmente o que importa. Como o fruto Cacau que tem gosto indefectível, é forte e até amargo, mas tem potencial de ser matéria-prima de toda doçura.

II

“Hoje os ventos do destino. Começaram a soprar
Nosso tempo de menino. Foi ficando para trás
Com a força de um moinho. Que trabalha devagar
Vai buscar o teu caminho. Nunca olha para trás”
Depois de nós

Num desses dias em que ando em uma rua qualquer do Bom Fim ouvindo música, totalmente alheio aos outros transeuntes, reconheci um deles de longe que vinha em minha direção. Uma ex-colega minha de colégio, da mesma turma, colega de anos, talvez de todos os dez anos que passei naquela escola. Não era dos meus melhores amigos, mas tão pouco nutria em relação a ela qualquer sentimento ruim. Percebendo que ela não havia me notado, instintivamente, atravessei a rua e saí de seu caminho. Continuei absorto na canção e nos pensamentos que ela me despertava. Lembro-me que não chorei quando me formei no colégio, tinha certeza que aquilo estava acabado.

III
“Mas, hey mãe!Alguma coisa ficou pra trás
Antigamente eu sabia exatamente o que fazer”
Terra de Gigantes

Como os autores das três músicas acima ele também começou Engenheiro e virou poeta. Largou a precisão do cálculo, a alienação da matemática pura, e a certeza da mecânica. Simplesmente parou de fingir que poderia viver a vida do homem sensato, ouviu suas inquietações, e resolveu jogar sério, subjetivamente, e colocar o dedo em várias feridas, com sal do suor e um pouco de álcool (que invés de piorar ameniza). É incrível como os anos de um curso que ninguém faz para ficar rico faz com as pessoas. Queria guardar essa frase para o caso de eu chamá-lo na formatura, mas eu seria um cerimonioso, como tentamos há algum tempo não ser: Ele é a pessoa que certamente mais aproveitou a potência transformadora da nossa faculdade de Psicologia.

Às vezes recai, porque não é possível ou necessário se livrar de certos hábitos, e então fazendo graça - mais uma coisa que aprendeu nestes loucos anos - ou não, reclama por estar velho com VINTE E SEIS ANOS (!) como se não tivesse feito mais por sua honestidade que muitas pessoas que morrem de velhice.

*Escrito para o Alemão que a mundo conheceu nos últimos anos e a menina que só eu conheci

4.06.2007

Pagando dívidas: A Maratona de cada um




Cada cual tiene ya su brega*

(Dar ejemplo es la mejor guerra)
Cada cual tiene ya su brega
(Crecer de adentro hacia afuera)
Cultura Profética – Suelta los amarres

*brega = esforço


Marchamos..
Em fevereiro de 2006, nós marchamos, alguns posts abaixo eu estava de saída. Cheguei... estou de volta com saudades daquele moleque que usou em outro espaço de endereçamento, que encontrou outra escuta, mas como tudo que é importante, insiste em repetir. Repetir até aprender, repetir até acertar, repetir até... repetir de novo.


Eu poderia dizer que foi difícil. Que foi difícil sem o Bücker que havia feito o roteiro, que foi difícil viajar por quase 20 dias apaixonado, que foi difícil ir regulando cada peso (boliviado, peruano, chileno ou argentino), que foi difícil não ter conforto, ficar longe de casa, passar o equivalente a 7 dias dentro de algum veiculo, 22h horas no desconfortável trem da morte se alimentado meia goiabada e 2 litros de “Cola Rey Diet” e para mim e para o Gabriel. Que foi difícil a convivência com ele... Mas não foi, poderia realmente me queixar de estar em Cuzco, morto de cansado, mal do estômago, com febre e gripe, tentando explicar numa farmácia que eu queria algo como um Benegripe andino. Mas não foi!

Isso sim foi:

0009.0002.2006: Chalcataya a pista de esqui mais alta do mundo 5.300 metros de altitude, ar muito rarefeito – porque rarefeito (o suficiente) já tinha em La Paz, a 3.100 m. Chovia. Mais que chovia, nevava! Não, não era neve de tv, neve de espuma ou algodão, era neve! Era a primeira vez que via, víamos, Gabriel e eu, neve! Quem não viu ainda, não morra sem.


A proposta era chegar até uma estação, fechada, pois não era época e o tempo estava feio. Como os outros começamos a subir, não devia ser tão difícil, afinal muitos turistas faziam isso todo da, e não iam nos deixar sozinhos, numa névoa que nos cegava, num frio absurdo e num caminho estreito em que podíamos cair rolando e só sermos descobertos por uma lhama ou alpaca faminta revirando a neve. Mas deixaram.


Então subíamos.. aos poucos nossa van de umas 13 pessoas ia descendo.. sem ter subido muito. Dois nem começaram, uns desciam por causa dos tênis de solado liso (de correr), outros pela falta de ar, e outros para acompanhar aqueles.. Aconteceu que eu tomei uma frente do grupo intermediário, que virou final pois os de trás deles desistiram. Naquele meu passo apressado, muito característico, ia subindo. Aos poucos a neblina ficava mais espessa, o caminho estreito e o pelotão da frente, invisível. Mas não tinha problema, eu encontrava a segurança seguindo os passos deles. Às vezes era mais difícil, pois o buraco dos pés estava grande, prendia os meus ao retira-los, mas parecia seguro.


Ia subindo, cada vez mais, só que parei de encontrar os rastros alheios, e tive que arriscar criando os meus (uma bela metáfora por sinal) para que fosse possível ser seguido pelo Gabriel e o parceiro de viagem Sérgio (Bruno desistira 15 min atrás alegando que estava com pneus de tempo seco) cadenciando as passadas, respirando levemente, como quando eu corria, um passo de cada vez, aquilo não podia ser tão difícil. Mas era. Cada vez mais lentos os passos, com pausas mais longas para recuperar o fôlego, olhava para trás e via os vultos do Gab e do Serjão subindo.
Até que começou a realmente ficar difícil.. ofegante, e meu corpo pesado.


Comecei a me perguntar até que ponto eu estava sendo insistente, perseverante, forte.. ou burro. E repetia para mim mesmo que a linha entre a coragem e a burrice era tênue, a cada centímetro que andava mais tênue. Como era de praxe parava, respirava fundo e devagar e perguntava aos 2 de trás se estava tudo bem, ao obter a reposta positiva seguia abrindo caminho. Começou a parecer impossível, e eu lembrando que sempre que corria por 55 min buscando a marca de 10 mil metros achava que não ia conseguir perto do 30 min, mas depois acontecia... dessa vez era diferente, meu nariz parecia menor do que deveria ser para puxar o ar.. ouvia que Sergio e Gabriel também se questionaram..


Aí o corpo reclamou de vez, estrelas! Sim aquelas estrelinhas prateadas que só aparecem quando fazemos grande esforço, muitas. Ouvi que o Serjão que parecia antes o pior dos 3 tomava a frente do Gab que já titubeava. Enfim, entendi era o limite, parei e perguntei, pedindo uma afirmação, se eles não queriam parar (só de pensar que deveria descer o que já estava subindo a 30 min me enchia de um medo real de não conseguir). Gabriel respondeu que era parceiro (como foi desde o 1ro dia de faculdade).


Sérgio, que não sabia mais por ser Sérgio, ou carioca-canadense, então falou apontando para uma pequena construção que estava a metade do caminho que nossa cansada vista alcançava: - vamos até aquele lugar então, será nosso challenge, nossa maratona. Nenhum de nós pensou meia vez. Concordamos que sim, e que aquele lugar marcaria mais que nosso limite pessoal, o limite do grupo..

Pausa
Momento lógica do significante: olho para trás agora e uma propaganda do David Beckham conta um pedaço de sua história... ele termina assim:
Você vai viver momentos difíceis... Basta atravessa-los.
Impossible is nothing.
Volta da Pausa


...com aquela estranha energia que só temos quando estamos perto do fim de qualquer coisa trabalhosa na vida chegamos.. AO CUME, sim, embasbacados constatamos que aquele ponto era o topo da pista de esqui! Que sentimento incrível tomou conta de nós. Conseguimos!

E isso para mim fala muito mais do que do dia em que subi um morro, fala de desejo, esforço e recompensa, fala sobre viajar, arriscar, fazer algo por um objetivo maior..como Leônidas e os 300 espartanos que não pensaram na família, no conforto, neles ou na glória. seguiram o caminho que acreditando ser o certo.


Fala do caminho, do limite de cada um, independente de até onde os outros vão ou ficam, do medo de tentar ou do desconforto. Fala principalmente do porque ano que vem eu tenho que buscar (entre outras coisas) minha melhor formação na Espanha, não importando quantos morros eu terei que subir para chegar lá.

O Rauzito falou que o caminho do risco é o sucesso, veremos...