3.04.2008

“Culpa tem remédio doutor?”*

"Toda folha elege um alguém que mora logo ao lado"
Los Hermanos - Todo Carnaval Tem seu Fim

Médicos me assustam, assustam mesmo. Com aquelas roupas brancas, letra ilegível e seu pragmatismo.. principalmente o pragmatismo. Você já conversou com um médico? Dá inveja! Palavras nos lugares certos, cirurgicamente colocadas, organizadas como o quarto de um bebê que ainda não nasceu. Explicações lógicas e elucidativas.. com exceção de quando falam de VIROSE – virose é la madre que los parió, a abrangência do conceito de virose é maior que a muralha da China e se assemelha à expressão popular “Saco de gato” ou “ônibus em dia de passe livre”.

Tá mas e o pragmatismo? Talvez seja a mais científica forma de defesa. Serve ou não serve, útil e racional (aliás os portugueses foram muito pragmáticos quando vieram aqui dar umas bandas 500 e picos anos atrás). O pragmatismo nos leva a um engessamento (mesmo que não haja fratura) das coisas, das palavras e das coisas. Quando se é pragmático se é claro e assertivo, não é possível a dúvida e não existe a discussão. Equação simples: sem dúvida = sem vazio = sem angústia. Mas se ela aparecer Fluoxetina vitamina C e cama,

Claro, eu quero um médico pragmático. Ainda mais se for ele quem for foracluir fatiar fazer incisão em meu pai. Afinal, eles cortam a carne, dão remédio, tocam/trocam órgãos – que não são aqueles pretos que tua prima toca “Noite feliz” todo ano no Natal para alegria das tias gordas. Melhor que seja sem titubeio, sem emoção, só técnica. Imagina o cara com o presunto paciente lá aberto na frente dele e o doutor resolve se deslumbrar com a maravilha da existência, com aquela infinidade de sistemas, canais, com o fato dele estar tocando simplesmente na vida! Na vida cara! Já viu: Piiiiiiiiiiiiiiii ... game over.

Daí penso na psicanálise, na poesia e na psicanálise. Bem, “nosotros no trabajamos con el cuerpo, sólo trabajamos con la palabra”. Com as possibilidades de resignificação. Uma palavra podendo ser muitas coisas, e a poesia é a máxima pluralidade da palavra. Metáforas, possibilidades infinitas, liberdade infinita, vazio de não-saber infinito.. angústia infinita.. desassossego.

Então se chega àquilo para que não existe fórmula ou prescrição.. aquilo não pode ser explicado universalmente senão no individual. Por exemplo: O que é mãe para você? Para você Índio, japonês, indiano, chinês, italiano, vizinho?

Para tratar do corpo é preciso treinar no corpo, conhecer o corpo, replicar no corpo, cortar, costurar e substituir no corpo, qualquer corpo, um corpo, todos os corpos, todos iguais, todos ambulância do doutor sara-tudo. Para trabalhar com a alma (troque essa palavra por qualquer outra que possa lhe dar o sentido de antítese do que trago como corpo-material) há de se escutar a alma, aquela alma, saber da perplexidade da alma, da “refratariedade” da alma, Daquela alma, não sujeito (sujeito a ser tratada) e sim individuo, individual, única, que só ela sabe do que sofre. Então só ela pode contar disso, transmitir isso, esse Isso. Só contando, transmitindo, pode se aliviar do peso de ser ela, e assim dividir, esvaziar, compartilhar e novamente se sentir apta a andar menos “ensimesmada”. Reconhecer seu peso, e talvez de outros, dentro da leveza do mundo. Insustentável leveza.

Mas psicólogos têm corpo e médicos têm alma.



*Pexera, indagando Drauzio em (Estação) Carandiru