4.06.2007

Pagando dívidas: A Maratona de cada um




Cada cual tiene ya su brega*

(Dar ejemplo es la mejor guerra)
Cada cual tiene ya su brega
(Crecer de adentro hacia afuera)
Cultura Profética – Suelta los amarres

*brega = esforço


Marchamos..
Em fevereiro de 2006, nós marchamos, alguns posts abaixo eu estava de saída. Cheguei... estou de volta com saudades daquele moleque que usou em outro espaço de endereçamento, que encontrou outra escuta, mas como tudo que é importante, insiste em repetir. Repetir até aprender, repetir até acertar, repetir até... repetir de novo.


Eu poderia dizer que foi difícil. Que foi difícil sem o Bücker que havia feito o roteiro, que foi difícil viajar por quase 20 dias apaixonado, que foi difícil ir regulando cada peso (boliviado, peruano, chileno ou argentino), que foi difícil não ter conforto, ficar longe de casa, passar o equivalente a 7 dias dentro de algum veiculo, 22h horas no desconfortável trem da morte se alimentado meia goiabada e 2 litros de “Cola Rey Diet” e para mim e para o Gabriel. Que foi difícil a convivência com ele... Mas não foi, poderia realmente me queixar de estar em Cuzco, morto de cansado, mal do estômago, com febre e gripe, tentando explicar numa farmácia que eu queria algo como um Benegripe andino. Mas não foi!

Isso sim foi:

0009.0002.2006: Chalcataya a pista de esqui mais alta do mundo 5.300 metros de altitude, ar muito rarefeito – porque rarefeito (o suficiente) já tinha em La Paz, a 3.100 m. Chovia. Mais que chovia, nevava! Não, não era neve de tv, neve de espuma ou algodão, era neve! Era a primeira vez que via, víamos, Gabriel e eu, neve! Quem não viu ainda, não morra sem.


A proposta era chegar até uma estação, fechada, pois não era época e o tempo estava feio. Como os outros começamos a subir, não devia ser tão difícil, afinal muitos turistas faziam isso todo da, e não iam nos deixar sozinhos, numa névoa que nos cegava, num frio absurdo e num caminho estreito em que podíamos cair rolando e só sermos descobertos por uma lhama ou alpaca faminta revirando a neve. Mas deixaram.


Então subíamos.. aos poucos nossa van de umas 13 pessoas ia descendo.. sem ter subido muito. Dois nem começaram, uns desciam por causa dos tênis de solado liso (de correr), outros pela falta de ar, e outros para acompanhar aqueles.. Aconteceu que eu tomei uma frente do grupo intermediário, que virou final pois os de trás deles desistiram. Naquele meu passo apressado, muito característico, ia subindo. Aos poucos a neblina ficava mais espessa, o caminho estreito e o pelotão da frente, invisível. Mas não tinha problema, eu encontrava a segurança seguindo os passos deles. Às vezes era mais difícil, pois o buraco dos pés estava grande, prendia os meus ao retira-los, mas parecia seguro.


Ia subindo, cada vez mais, só que parei de encontrar os rastros alheios, e tive que arriscar criando os meus (uma bela metáfora por sinal) para que fosse possível ser seguido pelo Gabriel e o parceiro de viagem Sérgio (Bruno desistira 15 min atrás alegando que estava com pneus de tempo seco) cadenciando as passadas, respirando levemente, como quando eu corria, um passo de cada vez, aquilo não podia ser tão difícil. Mas era. Cada vez mais lentos os passos, com pausas mais longas para recuperar o fôlego, olhava para trás e via os vultos do Gab e do Serjão subindo.
Até que começou a realmente ficar difícil.. ofegante, e meu corpo pesado.


Comecei a me perguntar até que ponto eu estava sendo insistente, perseverante, forte.. ou burro. E repetia para mim mesmo que a linha entre a coragem e a burrice era tênue, a cada centímetro que andava mais tênue. Como era de praxe parava, respirava fundo e devagar e perguntava aos 2 de trás se estava tudo bem, ao obter a reposta positiva seguia abrindo caminho. Começou a parecer impossível, e eu lembrando que sempre que corria por 55 min buscando a marca de 10 mil metros achava que não ia conseguir perto do 30 min, mas depois acontecia... dessa vez era diferente, meu nariz parecia menor do que deveria ser para puxar o ar.. ouvia que Sergio e Gabriel também se questionaram..


Aí o corpo reclamou de vez, estrelas! Sim aquelas estrelinhas prateadas que só aparecem quando fazemos grande esforço, muitas. Ouvi que o Serjão que parecia antes o pior dos 3 tomava a frente do Gab que já titubeava. Enfim, entendi era o limite, parei e perguntei, pedindo uma afirmação, se eles não queriam parar (só de pensar que deveria descer o que já estava subindo a 30 min me enchia de um medo real de não conseguir). Gabriel respondeu que era parceiro (como foi desde o 1ro dia de faculdade).


Sérgio, que não sabia mais por ser Sérgio, ou carioca-canadense, então falou apontando para uma pequena construção que estava a metade do caminho que nossa cansada vista alcançava: - vamos até aquele lugar então, será nosso challenge, nossa maratona. Nenhum de nós pensou meia vez. Concordamos que sim, e que aquele lugar marcaria mais que nosso limite pessoal, o limite do grupo..

Pausa
Momento lógica do significante: olho para trás agora e uma propaganda do David Beckham conta um pedaço de sua história... ele termina assim:
Você vai viver momentos difíceis... Basta atravessa-los.
Impossible is nothing.
Volta da Pausa


...com aquela estranha energia que só temos quando estamos perto do fim de qualquer coisa trabalhosa na vida chegamos.. AO CUME, sim, embasbacados constatamos que aquele ponto era o topo da pista de esqui! Que sentimento incrível tomou conta de nós. Conseguimos!

E isso para mim fala muito mais do que do dia em que subi um morro, fala de desejo, esforço e recompensa, fala sobre viajar, arriscar, fazer algo por um objetivo maior..como Leônidas e os 300 espartanos que não pensaram na família, no conforto, neles ou na glória. seguiram o caminho que acreditando ser o certo.


Fala do caminho, do limite de cada um, independente de até onde os outros vão ou ficam, do medo de tentar ou do desconforto. Fala principalmente do porque ano que vem eu tenho que buscar (entre outras coisas) minha melhor formação na Espanha, não importando quantos morros eu terei que subir para chegar lá.

O Rauzito falou que o caminho do risco é o sucesso, veremos...


4 comentários:

Pri Zorzi disse...

Bonito o texto, Senhor Maurinho. Te aconselho a escrever mais vezes, porque o fazes mui bien.

Gosto de relatos de viagem, acho que existem coisas que só acontecem quando a gente levanta o traseiro da poltrona e dá a cara a tapa ao mundo. Especialmente se com isso tu podes extrair lições pra tu vida, bom, então melhor ainda.

Torço por ti na Espanha, daí eu vou te visitar! E lembre-se que, afinal, tudo o que realmente vale a pena nessa vida requer esforço...

Anônimo disse...

Viver para escrever, escrever para viver. Não, isto não é uma sina dialética tola, e sim a afirmação de que o que marca o homem é a marca do assinar, poder assinar aquela escrita que é dele, foram assim aqueles passos, é por isso que pude, neste momento, ao escrever esta crônica, usar meus dois sobrenomes. A assinatura, o mais essencial, é o que necessita de mais coragem.
Subimos no topo e colocamos nosso nome, nenhuma foto traduz a sensação de respirar um ar que não chegava ao nariz, a lembrança dos pulmões queimando. Mesmo assim, não necessitamos subir quase seis mil metros para viver isto, algumas noites provam que sensações similares se fazem presente em todos que assumem viver a própria vida, a incompletude, a responsabilidade por admitir a culpa por tudo que escolhe, seja no universo da lógica do significante ou o que seja. Nunca esqueça que descemos daquele lugar correndo e pulando, recordo até hoje a sensação da neve raspando em minhas panturrilhas... olhei para baixo e pensei, cair daqui é morte certo, mas deixar de descer isto aqui derrapando também o é. Em cada viagem se reatualiza uma vida e em cada vida, uma só viagem, em cada experiência individual, o homem, este universal, torna a existir.
O repelente foi bobagem, o cobertor e a panela também, porém, a goiabada valeu a pena... mesmo.
Abraços, na companhia diária ou no afastamento, todos podem se fazer presentes, por isso, cada criatura que já usou os teus sobrenomes estão aó vivas, mesmo que o ato de assiná-los seja teu.
Bom retorno à escrita, é egoísmo deixar de viver com essas belezuras que chamamos de palavras.

carolina disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
carolina disse...

Bom, quero falar um pouco sobre o que vivi fazendo o mesmo trajeto do chacaltaya. A minha experiência foi completamente outra.
A subida foi ruim, horrível. Mas pra mim, não muito pior do que qualquer corrida na redenção pras quais nunca tenho ar suficiente.
Mas o pior foi a volta.
Meus tênis, nada apropriados pra neve, escorregando. Meu corpo gelado que nem um picolé (nunca essa metáfora foi tão pouco sedutora).
Tive que descer o pico agachada. Na verdade, inventei uma nova modalidade de ski, pq desci todo o pico de bunda. Tenho uma foto da minha cara de "felicidade" nesse momento. Se quiser alguma coisa pra comprovar a falta de "glamour" da neve, estou a disposição.
Mesmo assim, não voltaria atrás nem um minuto.
Essas são as típicas coisas que a gente faz, que a gente sofre na hora e que valem muito a pena depois.
Pain is temporary, glory is forever...
Ter visto a neve, ter tido coragem de subir aquele pico com meus tênis adidas com as solas trocadas, foi uma coisa que certamente valeu o esforço.
E talvez haja um certo masoquismo nisso tudo... Mas certamente tem o distanciamento que as palavras impõem, e a dor e o desconforto que meu corpo já não sente. Outras dores e outros desconfortos sempre virão, mas nunca vão tirar este significado.